PROJETO DE LEI ALTERA A RESPONSABILIDADE TRIBUTÁRIA DO CONTABILISTA.

Encontra-se na Assembleia Legislativa do Paraná um projeto de lei propondo a alteração de alguns artigos da Lei Estadual 11.580/96, especialmente, em relação à responsabilidade tributária dos atos praticados pelos contabilistas.

Atualmente, para haver responsabilidade pelas infrações e penalidades, a legislação institui como infração toda ação ou omissão que importe inobservância pelo contribuinte, responsável ou intermediário de negócios, bem como, respondem pela infração, conjunta ou isoladamente, todos os que de qualquer forma concorram para sua prática ou dela se beneficiem.

Portanto, se não ficar demonstrada nenhuma prática em relação à infração detectada pelo fisco ou comprovação de qualquer benefício em razão dessa atividade, penalidade alguma prevista na legislação pode ser imputada a terceiros em relação ao pagamento do imposto estadual.

Quanto à responsabilidade de terceiro, por óbvio deve haver uma análise caso a caso, pois há situações em que o responsável pela contabilidade tem total conhecimento do procedimento irregular do contribuinte, embora não tenha nenhum interesse direto com o descumprimento das obrigações, podendo, no entanto, existir uma omissão de ordem profissional a ensejar, em determinadas situações, responsabilidade civil e criminalmente, além da obrigação tributária.

Nestas situações, ou seja, demonstrada a participação do contabilista na prática dos atos ilícitos – aliás, não só contabilista, mas de qualquer pessoa que se demonstre haver interesse na relação tributária –, nos parece não existir dúvida quanto à possibilidade de sua inclusão na responsabilidade como solidário ou corresponsável. Neste sentido, o Órgão administrativo de segunda instância no Paraná (Conselho de Contribuintes) em determinadas situações, como mencionado, analisando o caso em concreto tem afastado a responsabilidade de terceiro, quando comprovado a inexistência de vínculo com o fato gerador da obrigação tributária 1.

1 ICMS – Solidariedade, responsabilidade tributária e responsabilidade por infrações. Não vinculação da conduta dos recorrentes com os fatos geradores do tributo e da penalidade aplicada no auto de infração. Infração não caracterizada.
I – Afora os casos em que o sujeito passivo é guindado à condição de devedor solidário por ter “interesse comum” no fato gerador, casos em que estará na condição de verdadeiro contribuinte, e afora os outros casos de responsabilidade expressamente previstos no CTN, em especial nos artigos 131 a 135, a sua responsabilização pelos tributos e por infrações tributárias dependerá, no primeiro caso, (i) da expressa previsão da hipótese de responsabilidade pela obrigação principal e (ii) da vinculação indireta do sujeito com o fato gerador da obrigação principal; e, no segundo caso, (i) da expressa capitulação do ato ilícito e da hipótese de responsabilidade e (ii) da vinculação do sujeito com o “fato gerador” da penalidade.
II – Como, no caso, os recorrentes – uma contadora e terceiro que com ela supostamente trabalharia – não têm vinculação, sequer indireta, com o fato gerador do tributo (operação mercantil consumada na saída de mercadoria do estabelecimento do contribuinte), e como, além disso, a conduta que deu ensejo à aplicação da penalidade (falta de emissão de documentos fiscais) não constituía dever deles, ou ato cuja execução estivessem legalmente obrigados a exigir, impossível responsabilizá-los com base em tal preceito.
III – Inexistindo prova da participação de um dos sujeitos passivos nos atos retratados no auto de infração, não há reparo a ser feito na decisão singular que reputou a medida fiscal improcedente em relação a ele.
IV – Indícios do cometimento de outras infrações que justifica a remessa dos autos, ou de cópias deles, às autoridades competentes para a respectiva averiguação.
Recurso de ofício conhecido e improvido.
Recursos ordinários interpostos pelos sujeitos passivos conhecidos e providos. Decisões por maioria.
Acórdão nº. 1720/2013 da 3ª. Câmara. DOE nº. 9267 de 12.08.2014.

Pelo PL 08/22, em apreciação pelo Poder Legislativo, sugerido pela Federação dos Contabilistas do Estado do Paraná – FECOPAR, a responsabilidade do contabilista por infração à legislação tributária passaria a ser subsidiária em determinadas situações, nas hipóteses e condições que especifica.

A proposta da nova inclusão da responsabilidade tributária na legislação estadual inicia-se com o acréscimo do Capítulo XIII-A na Lei 11.580/96, mencionando que são pessoalmente responsáveis pelos créditos tributários correspondentes às obrigações tributárias resultantes de atos praticados com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos: I – as pessoas referidas no art. 134 do Código Tributário Nacional; II – os mandatários, prepostos e empregados; III – os diretores, gerentes ou representantes de pessoas jurídicas de direito privado.

Menciona ainda que a mera procuração não configura a responsabilidade tributária do procurador, exceto se comprovada a prática de atos com excesso de poderes ou a prática de conduta dolosa. O que seria uma mera procuração? Qual seria a sua definição? Sabemos que a maioria das procurações dão ao procurador poderes amplos e gerais de representação, inclusive de administração. Contudo, este fato deixaria de ser mera procuração?

Menciona ainda o PL que a responsabilidade de terceiros prevista seria subsidiária. Sabe-se que a responsabilidade subsidiária é a que vem reforçar a responsabilidade principal, desde que esta última não seja suficiente para atender os imperativos da obrigação assumida. Em outras palavras, só pode ser imputada a responsabilidade a terceiros, depois de esgotados os meios de exigência da obrigação tributária pelo sujeito passivo principal. A proposta também afasta a responsabilidade de terceiros por inadimplemento da obrigação tributária, hipótese pacificada nos tribunais, conforme Súmula 430 do STJ.

O projeto aponta também que a responsabilidade é pessoal do agente nos termos do artigo 137 do CTN, que trata de atos praticados com dolo pelas pessoas que menciona. É importante destacar que fica afastada a aplicação da multa do inciso I do art. 55, da Lei 11.580/96, que abrange praticamente todas as penalidades dispostas na legislação, desde que a ação correspondente seja praticada no exercício regular de administração, mandato, função, cargo ou emprego ou no cumprimento de ordem expressa emitida por quem de direito. Ou seja, desde que não ocorra, nestas hipóteses, a prática do dolo.

A proposta também prevê a responsabilidade subsidiária do contabilista por ação ou omissão que importe observância da legislação tributária quando praticada com dolo e comprovada por meio de processo administrativo fiscal a prática de uma das seguintes condutas de forma dolosa:

I – quando for preposto do sujeito passivo, desde que comprovada a sua contribuição de forma decisiva, livre, consciente e com nexo causal ao resultado ilícito alcançado;

II – quando instruir ou assessorar o sujeito passivo, ou participar ativamente para:

a) indicação da existência de estabelecimento que não existe de fato;

b) constituição de pessoa jurídica com a indicação de interpostas pessoas no contrato social;

III – quando realizar o controle de estoque de mercadorias e for comprovado que o sujeito passivo não opera com estoque físico, ou que as entradas documentadas ocorreram em volume superior ao de saídas documentadas, caracterizando-se a venda sem documento fiscal;

IV – quando realizar lançamento contábil ou fiscal que gere créditos de impostos indevidos, desde que comprovado o conhecimento do contabilista sobre a falsidade dos documentos apresentados;

V – quando possuir poderes de representação, gerência ou similar à época do cometimento da infração, desde que comprovada a prática de ação dolosa com o fim de suprimir o pagamento do ICMS.

Se de observar que, nestes atos, como anteriormente mencionado, a marca da responsabilidade tributária está centrada sempre na figura dolosa do agente.

Em relação a esses pontos, especialmente quanto à sua responsabilidade, cabem algumas indagações. Quando ocorreria a contribuição ou a participação do contabilista de forma decisiva, livre e consciente, acerca da inobservância da legislação tributária, se ele só procede suas atividades de registro fiscal e contábil conforme documentação encaminhada ou fornecida pelo contribuinte?

Sabemos que o contabilista é consultado com certa frequência quanto aos procedimentos que pretende o sujeito passivo adotar, não podendo, obviamente, ser responsável por aquele escolhido pelo contribuinte, desde que esteja dentro das normas fiscais e contábeis, deve ser entendido como uma orientação apenas, sem qualquer vínculo obrigacional.

Vale também destacar que, quando o sujeito passivo adquire algum produto, não cabe ao contabilista verificar quanto à veracidade e origem dos documentos fiscais, especialmente quando aparentemente apresentados de forma regular com a legislação estadual. A sua obrigação se limita tão somente ao lançamento da NF nos livros fiscais e aos lançamentos contábeis, bem como verificar de pronto quanto à efetividade das operações.

Se o estabelecimento vendedor não existia ou estava em situação irregular perante o fisco por ocasião da comercialização do produto, não caberia, salvo melhor juízo, ao contador esta verificação. Assim, como quando se efetua a constituição jurídica de uma empresa, referido profissional se baseia na documentação apresentada pelo sujeito passivo, não cabendo, da mesma forma, qualquer questionamento quanto à veracidade dos fatos ou a imputação de sua responsabilidade.

Em relação ao controle de estoque, o contabilista tem suas obrigações ligadas à legislação contábil, sendo impossível verificar se o estoque de mercadoria escriturado corresponde ao estoque real da empresa em determinado momento. Essa atribuição cabe à fiscalização a sua verificação, especialmente quanto à venda de mercadoria supostamente sem documentação fiscal, sendo essa uma obrigação nata do fisco. O fato de as entradas escriturais de mercadorias serem superiores às saídas, por si só, não representa venda de mercadoria sem documentação fiscal, havendo, em nosso entendimento, a necessidade de uma verificação aprofundada.

Também a proposta prevê a responsabilidade do contabilista quando realizar lançamento contábil ou fiscal que gere crédito indevido de imposto, desde que comprovado o seu conhecimento sobre a falsidade dos documentos apresentados.

Porém, quando o sujeito passivo entrega as NFs ao contabilista para escrituração e os lançamentos são feitos de conformidade com a legislação, se eventualmente o fisco entender que determinada NF não dá direito ao crédito destacado, por qualquer motivo alheio ao conhecimento do contabilista, não cabe a este qualquer responsabilidade, especialmente quando agiu de boa-fé. Isso porque o contabilista não tem o dever de evitar ou impedir a prática de ato ilícito, não respondendo por omissão quanto ao praticado pelo sujeito passivo e não possui a obrigação de denunciá-lo ou fiscalizá-lo. Nem teria poderes para tanto.

Como já mencionado, a legislação estadual atual que trata da responsabilidade de terceiros não especifica o agente que praticou o ato, mas apenas menciona que respondem pela infração, conjunta ou isoladamente, todos que de qualquer forma concorram para a sua prática. A proposta apresentada elege em determinadas situações a responsabilidade subsidiária do contabilista, desde que tenha havido dolo, resultante de atos praticados com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos, arrolados no art. 134 do CTN.

Pelo que se observa da sugestão de alteração da legislação quanto à responsabilidade de terceiros, obviamente que o ponto central foi no sentido de deixar claros os limites para a sua imputação, inclusive estabelecendo que se tratava de responsabilidade subsidiária, em que primeiramente se apura a obrigação do sujeito passivo e subsidiariamente a de terceiros na relação jurídica tributária, para, então, materializar a responsabilidade e atribuir a aplicação da sanção.

Pelo referido Projeto de Lei, toda a prova do procedimento de terceiro em relação à prática de ato doloso, em desconformidade, com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos, cabe exclusivamente ao terceiro, sendo que o fisco simplesmente aponta o fato quando entende a existência da prática como irregular e intencional ou participativa de terceiros, cabendo ao acusado sua defesa. Quando a intenção do projeto, a nosso ver, era no sentido de que a imputação da prática de atos delitivos anteriormente mencionados ocorresse somente após a apuração pelo fisco, em processo administrativo fiscal, com a observância dos princípios do contraditório e da ampla defesa.

A responsabilidade do contabilista em relação aos seus atos praticados vem há tempos sendo discutida, tendo recentemente aflorada a sua discussão nas três esferas de governo. No Estado do Mato Grosso, como citado na sugestão de alteração, foi editada a Lei 7.098/1998 1, alterada pela Lei 9.226/2009, atribuindo a responsabilidade pelas infrações praticadas na prestação de informações com omissão ou falsidade e incluindo, além do contabilista, o administrador, o advogado, o economista, o correspondente fiscal, o preposto, bem como toda pessoa que concorra ou intervenha ativa ou passivamente no cumprimento da obrigação tributária. Essa legislação foi julgada em 13.02.2020 pelo STF na ADI nº. 4845, que entendeu como inconstitucional o Art. 18-C da mencionada Lei, fixando a seguinte tese: “É inconstitucional lei estadual que disciplina a responsabilidade de terceiros por infrações de forma diversa da matriz geral estabelecida pelo Código Tributário Nacional”.

1 Lei nº 7.098 de 98:
“Art.18-C (...) Parágrafo único. Respondem, também, solidariamente com o sujeito passivo pelas infrações praticadas, em relação às disposições desta lei e demais obrigações contidas na legislação tributária, no que se refere à prestação de informações com omissão ou falsidade, o administrador, o advogado, o contador, o economista, o correspondente fiscal, o preposto, bem como toda e qualquer pessoa que concorra ou intervenha, ativa ou passivamente, no cumprimento da referida obrigação.”

No âmbito da Receita Federal, o Regulamento do Imposto de Renda (Decreto nº. 9.580 de 22 de novembro de 2018 em seu §1º do Artigo 1.048), trata, entre outros, da responsabilidade do contabilista 1. A matéria também foi apreciada no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais – CARF 1.

1 Art. 1.048. O balanço patrimonial, as demonstrações do resultado do período de apuração, os extratos, as discriminações de contas ou lançamentos e demais documentos de contabilidade deverão ser assinados por bacharéis em ciências contábeis, atuários, peritos-contadores, contadores, guarda-livros ou técnicos em contabilidade legalmente registrados, com indicação do número dos registros (Decreto-Lei nº 5.844, de 1943, art. 39, caput).
§ 1º Os profissionais de que trata o caput, no âmbito de sua atuação e no que se referir à parte técnica, serão responsabilizados, juntamente com os contribuintes, por qualquer falsidade dos documentos que assinarem e pelas irregularidades de escrituração praticadas no sentido de fraudar o imposto sobre a renda (Decreto-Lei nº 5.844, de 1943, art. 39, § 1º).

1 Acórdão: 1102-000.544Número do Processo: 10840.720540/2011-36Data de Publicação: 04/11/2011Contribuinte: M Z INDUSTRIA E COMERCIO LTDA-MERelator(a): Leonardo de Andrade Couto Ementa: Processo Administrativo Fiscal Ano-calendário: 2005 Ementa: SUJEIÇÃO PASSIVA. CONTADOR. IMPROCEDÊNCIA. A exigência tributária com origem em irregularidades na escrituração, ainda que praticadas voluntária e conscientemente, não podem ser imputadas ao responsável pela escrituração se não restar comprovado nos autos que agiu à revelia dos representantes da pessoa jurídica.Decisão: Acordam os membros do colegiado, por maioria de votos, dar provimento ao recurso para cancelar os efeitos do Termo de Sujeição Passiva Solidária lavrado contra José Almerindo da Silva Cardoso. Ausentes, momentaneamente, os conselheiros Gleydson Kleber Lopes de Oliveira e Plinio Rodrigues Lima.

Assim, sem a pretensão de esgotar o assunto, estes seriam, a nosso ver, os principais pontos do Projeto de Lei 8/22, encaminhado à Assembleia Legislativa do Paraná que podem suscitar maiores discussões.

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